7.5.16

A caminho de uma ateologia


[...] Os devotos de ontem e de anteontem têm todo o interesse em fazer passar o pior e a negatividade contemporânea por um produto do ateísmo. Persiste a velha ideia do ateu imoral, amoral, sem fé nem lei ética. O lugar-comum para o último ano do colegial segundo o qual "se Deus não existe, então tudo é permitido" - refrão extraído de Os irmãos Karamazov de Dostoiévski - continua produzindo efeitos, e de fato a morte, o ódio e a miséria são associados a indivíduos que invocariam a ausência de Deus para cometer seus crimes. Essa tese equivocada merece ser bem e devidamente desmontada. Pois o inverso me parece mais verdadeiro: "Porque Deus existe, então tudo é permitido...". Eu explico. Três milênios testemunham, dos primeiros textos do Velho Testamento até hoje: a afirmação de um Deus único, violento, ciumento, briguento, intolerante, belicoso gerou mais ódio, sangue, mortes, brutalidade do que paz... A fantasia judaica do povo eleito que legitima o colonialismo, a expropriação, o ódio, a animosidade entre os povos, depois a teocracia autoritária e armada; a referência cristã dos mercadores do Templo ou de um Jesus paulino que afirma vir para trazer a espada, que justifica as Cruzadas, a Inquisição, as guerras religiosas, a Noite de São Bartolomeu, as fogueiras, o Índex, mas também o colonialismo planetário, os etnocídios norte-americanos, o apoio aos fascismos do século XX e a onipotência temporal do Vaticano há séculos nos menores detalhes da vida cotidiana; a reivindicação clara em quase todas as páginas do Corão de um apelo a destruir os infiéis, sua religião, sua cultura, sua civilização mas também os judeus e os cristãos - em nome de um Deus misericordioso! São todas pistas para desvendar a ideia de que, justamente, por causa da existência de Deus tudo é permitido - nele, por ele, em seu nome, sem que os fiéis, nem o clero, nem o populacho, nem as altas esferas tenham o que contestar... 

Michel Onfray 
Trad.: Monica Stahel