9.12.16

mais arte menos estampa


Arte callejero | CWB | 2016

Meu amigo me conta que vai fazer grafite. Eu apoio, se há intervenção urbana que admiro é a pintura artística no concreto. Pergunto se já tem ideia sobre o que vai criar. Ele responde que se inscreveu em uma oficina para pegar manhas e macetes da técnica, só então pensará no tema.

Provoco: não tem nada em mente? “Ah, até tenho...” O quê? “Algo que trabalhe com cores berrantes e escuras...” Tá, mas as cores darão o sopro de vida para que tipo de ideia? “Sei lá, talvez minha assinatura”. Assinatura? “É, estilizada; manja?”

Claro que manjo! Tanto que retruco: mas e a arte? “Arte?” Sim, a vitamina que perturba e faz pensar. A alma de uma produção estética está justamente neste ingrediente vital. O belo pelo belo é tão banal quanto amar alguém apenas pela cor dos olhos. É preciso ter algo a mais, e o grafite tem tudo para ter.

“Mas tem grafites que são verdadeiras obras de arte!” Não duvido! No entanto, a arte não está apenas na técnica. Pode-se reproduzir a anatomia em minúcias; e daí? Arregalar os olhos e soltar monossílabos de admiração não é o mesmo que se sentir constrangido e incitado a interrogar a si e o mundo ao redor.

Meu amigo argumenta que anima a vida dos transeuntes. Balanço a cabeça em concordância. Inclusive, posso até aplaudir girafas, guaxinins e demais formas cheias de cor e efeito, mas quando viro as costas e dobro a esquina, elas não me acompanham nem me seguem. Permanecem lá, cuidando de suas vidas estáticas enquanto cuido da minha.

A atividade do grafite está no DNA da expressão humana. Os homens das cavernas já faziam grafite, certo? Ilustrando suas crônicas pelas paredes rochosas. Aliás, o ancestral do artista é o sujeito que registrava a vida em imagens enquanto era imperativo lutar pela sobrevivência imediata. Saltando para os tempos modernos, enxergo os muralistas mexicanos como precursores da composição pictórica de painéis em espaços públicos. E os grafiteiros atuais teriam plena condição de adentrar nesta tradição. Quisera eu transitar pelas ruas e me deparar com a tragicidade emblemática de um Orozco, ou a ironia fina de denúncia social à la Diego Riviera.

Meu amigo argumenta que o grafite tem linguagem própria. Claro que sim! E digo mais: o grafite tem o poder que outras artes não têm, pois está onde o povo precisa passar. É uma tela a céu aberto. Mas não me venha com o papo de que “de terror basta a vida”. Há maneiras de abordar um tema sério sem sisudez. Além do mais, trazer à luz um problema significa enxergar melhor este problema e ter a sensação de que não estamos sozinhos.

Deu pra entender? Não precisa responder, basta pensar.

Paulino Júnior