28.4.17

Introdução

T. U.

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Capaz de aumentar as riquezas, de produzir e difundir em abundância bens de todo tipo, o capitalismo só consegue isso gerando crises econômicas e sociais profundas, exacerbando as desigualdades, provocando catástrofes ecológicas de grandes proporções, reduzindo a proteção social, aniquilando as capacidades intelectuais e morais, afetivas e estéticas dos indivíduos. Abraçando unicamente a rentabilidade e o reinado do dinheiro, o capitalismo aparece como um rolo compressor que não respeita nenhuma tradição, não venera nenhum princípio superior, seja ele ético, cultural ou ecológico. Sistema comandado por um imperativo de lucro que não tem outra finalidade senão ele próprio, a economia liberal apresenta um aspecto niilista cujas consequências não são apenas o desemprego e a precarização do trabalho, as desigualdades sociais e os dramas humanos, mas também o desaparecimento das formas harmoniosas de vida, o desvanecimento do encanto e da graça da vida em sociedade: um processo que Bertrand de Jouvenel chamava de "a perda de amenidade". Riqueza do mundo, empobrecimento das existências; triunfo do capital, liquidação do saber viver; superpoder das finanças, "proletarização" dos modos de vida.

O capitalismo aparece assim como um sistema incompatível com uma vida estética digna desse nome, com a harmonia, a beleza, o bem viver. A economia liberal arruína os elementos poéticos da vida social;  ela dispõe, em todo o planeta, as mesmas paisagens urbanas frias, monótonas e sem alma, estabelece por toda a parte as mesmas franquias comerciais, homogeneizando os modelos dos shopping centers, dos loteamentos, cadeias de hotéis, redes rodoviárias, bairros residenciais, balneários, aeroportos: de leste a oeste, de norte a sul, tem-se a sensaçao de que aqui é como em qualquer lugar. A indústria cria uma pacotilha kitsch e não cessa de lançar produtos descartáveis, substituíves, insignificantes; a publicidade gera a "poluição visual" dos espaços públicos; as mídias vendem programas dominados pela tolice, a vulgaridade, o sexo, a violência - em outras palavras, "tempo de cérebro humano disponível". Construindo megalópoles caóticas e asfixiantes, pondo em risco o ecossistema, tornando insípidas as sensações, condenando os seres humanos a viver como rebanhos padronizados num mundo insulso, o modo de produção capitalista é estigmatizado como barbárie moderna que empobrece o sensível, como ordem econômica responsável pela devastação do mundo: ele "enfeia toda a terra", tornando-a inabitável de todos os pontos de vista. Esse juízo é amplamente compartilhado: a dimensão da beleza se estreita, a da feiura se amplia. O processo iniciado com a Revolução Industrial prossegue inexoravelmente: é um mundo mais desgracioso que dia após dia se desenha.

Um quadro tão implacável assim não tem falhas? Estamos condenados a aceitá-lo em bloco? Se o reinado do dinheiro e da cupidez tem efeitos inegavelmente calamitosos no plano moral, social e econômico, dá-se o mesmo no plano propriamente estético? O capitalismo se reduz a essa máquina de decadência estética e de enfeamento do mundo? A hipertrofia das mercadorias vai de par com a atrofia da vida sensível e das experiências estéticas? Como pensar o domínio estético no tempo da expansão mundial da economia de mercado? 

LIPOVETSKY, G. SERROY, Jean. L'Esthétisation du monde: vivre à l'âge du capitalisme artiste. Trad.: Eduardo B. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.