2.3.18

a preparação militar nos conduz direto ao massacre universal


Desde o início da conflagração européia, a humanidade foi quase inteiramente anestesiada pela mortífera loucura do belicismo, embriagada pelos vapores deletérios de um clorofórmio impregnado de sangue, que obscureceu sua visão e paralisou seu coração. Com efeito, à exceção de algumas tribos selvagens que não conhecem nem a religião cristã, nem o amor fraternal, nem os dreadnaughts, os submarinos, as fábricas de munições e os empréstimos de guerra, o resto da humanidade está mergulhado em uma terrível narcose. O espírito humano parece interessar-se apenas por uma coisa: especular sobre assassinato. Toda a nossa civilização, toda a nossa cultura está concentrada na louca demanda de armas de destruição, se possível as mais aperfeiçoadas.

Munições! Munições! Ó senhor, tu que reinas sobre a terra e nos céus, tu, ó Deus do amor, da piedade e da justiça, concede-nos bastante munição para destruir nosso inimigo! Tal é a oração que ascende ao céu cristão todos os dias. O gado, quando fica assustado pelo fogo, lança-se nas chamas. [...] Quanto à América, levada à beira do abismo por políticos inescrupulosos, demagogos ruidosos e ávidos tubarões militares, ela se prepara para um idêntico destino funesto.

Ante esse desastre que se aproxima, cabe aos homens e às mulheres que ainda não estão inebriados pela loucura guerreira elevar a voz, protestar, atrair a atenção da população para crimes e as atrocidades que serão perpetrados contra eles.

A América é essencialmente um melting-pot. Nesse país, nenhum grupo nacional pode gabar-se de pertencer a uma raça superior, ser detentor de uma missão histórica particular ou de uma cultura mais espiritual. Entretanto, os chauvinistas e os especuladores belicistas não param de tartamudear slogans sentimentalistas de nacionalismo hipócrita: "A América aos americanos", "A América de início, antes de tudo e sempre". Esses slogans são em toda parte populares. A crer neles, para salvar a América, seria preciso que todo mundo seguisse imediatamente uma formação militar. Um milhão de dólares arrancados do suor e do sangue do povo serão gastos na compra de encouraçados e submarinos para o exército e a marinha, e isso tudo para proteger essa preciosa América.

Esses discursos repletos de pathos dissimulam o fato de que a América que será protegida por uma enorme força militar não será a América do povo, mas aquela dos privilegiados; da classe que rouba e explora as massas e controla a sua vida, do berço ao túmulo. É patético que tão poucas pessoas dêem-se conta de que a preparação militar nunca conduz à paz, mas leva direto ao massacre universal.

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[...] Em nenhum lugar do mundo o capitalismo é tão desavergonhadamente ávido quanto nos Estados Unidos, e em nenhum lugar o Estado está tão disposto a ajoelhar-se aos pés do Capital.

Como uma epidemia, uma onda de loucura ganha o país; o germe mortal do militarismo contamina os espíritos mais lúcidos e os corações mais bravos.

O militarismo mata a juventude, viola as mulheres, extermina o melhor da humanidade, aniquila a própria vida.

Defender as instituições de nosso país é defender as instituições que protegem e apoiam um punhado de indivíduos para que eles roubem e pilhem as massas; instituições que sugam o sangue dos autóctones tanto quanto dos estrangeiros, e transformam-no em riquezas e em poder; instituições que despojam cada imigrado da cultura original que levou consigo e lhe impõem, em troca, esse americanismo barato cuja única glória é a mediocridade e a arrogância.

Como se forma um militar para defender a liberdade, a paz e a felicidade? Escutemos o Major-General O'Lyan: "Todo soldado deve ser treinado para tornar-se um simples autômato, privado de iniciativa individual, transformado em máquina. Ele deve passar à força a coleira militar pela cabeça, ser dinamizado, dirigido por superiores que têm a pistola na mão".

Esse discurso não foi pronunciado por um junker prussiano, nem por um bárbaro germânico, nem por Treitschke ou Bernhardi, mas por um Major-General americano! E esse homem tem razão. Não se pode conduzir uma guerra com homens iguais, não se pode impor o militarismo a homens livres. É preciso ter à sua disposição escravos, autômatos, máquinas, criaturas obedientes e disciplinadas, que se deslocarão, agirão, matarão e dispararão sob as ordens de seus superiores. Eis em que resultará a preparação militar; nada além disso.

A preparação militar não é dirigida principalmente contra o inimigo externo; ela visa sobretudo ao inimigo interno, todos os elementos do movimento operário que aprenderam a nada esperar de nossas instituições; os trabalhadores conscientes que compreenderam que a guerra de classes subentende todas as guerras entre as nações; aqueles que sabem que, se uma guerra é justificada, trata-se da guerra contra a dependência econômica e a escravidão política, os dois principais problemas concernidos pela luta de classes.

O militarismo já desempenhou seu papel sanguinário em cada conflito econômico, com a aprovação e o apoio do Estado.

A preparação militar só servirá para reforçar o poder de uma minoria privilegiada e ajudará a dominar, reduzir à escravidão e esmagar o movimento operário.

A América sustenta preparar-se para a paz, mas, na realidade, a preparação militar provocará a guerra. [...] A preparação militar é como o grão de uma planta venenosa: uma vez plantada na terra, ela dará frutos envenenados. Os massacres na Europa são o fruto desse grão venenoso. É preciso absolutamente que os operários americanos dêem-se conta disso antes que eles sejam dominados pelos discursos chauvinistas na loucura guerreira, loucura sempre assombrada pelo espectro do perigo e da invasão. Os operários devem saber que se preparar para a paz significa incitar à guerra, deixar desencadearem-se as fúrias da morte na terra e no mar.

Quando um exército é equipado até os dentes com instrumentos mortíferos sofisticados, quando ele é sustentado pelos interesses de uma corja belicista, a dinâmica torna-se autônoma.

O militarismo destrói os elementos mais sadios e mais produtivos de cada nação. Desperdiça a maior parte da renda nacional. O Estado não despende quase nada para o ensino, a arte, a literatura e a ciência em comparação com as somas consideráveis que ele consagra ao armamento em tempo de paz. Em tempo de guerra, então, todo o resto não tem nenhuma importância; a vida estagna, todos os esforços são bloqueados; o suor e o sangue das massas servem para nutrir o monstro insaciável do militarismo. Ele se torna, portanto, cada vez mais arrogante, agressivo, imbuído de sua importância. Para permanecer vivo, o militarismo necessita constantemente de energia suplementar; eis porque ele buscará sempre um inimigo ou, em sua ausência, criará um artificialmente. Em seus objetivos e seus métodos civilizados, é sustentado pelo Estado, protegido pelas leis, mantido pelos pais e pelos professores, glorificado pela opinião pública. Em outros termos, a função do militarismo é matar. Ele só pode viver graças ao assassinato. 

Mas a preparação militar conduz inevitavelmente à guerra por uma outra razão, ainda mais fundamental. Ela encoraja a criação de grupos de interesses, que trabalham consciente e deliberadamente para aumentar a produção de armamentos e manter uma histeria belicista. Esse lobby inclui todos aqueles que estão engajados na fabricação e na venda de munições e equipamentos militares com vistas a acumular ganhos e benefícios pessoais. Tomemos como exemplo o caso da família Krupp, que possui a maior fábrica de munições do mundo; sua sinistra influência na Alemanha e em muitos outros países estende-se à imprensa, às escolas, às igrejas e aos homens de Estado encarregados das mais elevadas responsabilidades.

Não basta dizer-se neutro; uma neutralidade que verte lágrimas de crocodilo com um olho e conserva o outro atento às vantagens que extrairá dos aprovisionamentos militares e dos empréstimos de guerra; tal neutralidade é uma fraude, que só serve para cobrir com um véu hipócrita os crimes dos outros países. Não basta juntar-se aos pacifistas burgueses, que proclamam a paz entre as nações aos mesmo tempo que contribuem para perpetuar a guerra entre classes. guerra que, na realidade, subentende todas as outras guerras.

É nessa guerra de classes que devemos concentrar-nos. Devemos denunciar os falsos valores, as instituições malfazejas e todas as atrocidades cometidas pela sociedade burguesa. Aqueles que estão conscientes da necessidade vital de participar de grandes lutas devem opor-se à preparação militar imposta pelo Estado e pelo capitalismo para a destruição das massas. Elas devem incitar as massas a derrubar simultaneamente o capitalismo e o Estado. Uma preparação sindical e social, eis aquilo de que necessitam os trabalhadores. Só isso conduz à revolução de base contra a destruição de massa planejada pelas elites. Só isso reforça o autêntico internacionalismo do movimento operário contra os imperadores, os reis, os diplomatas, as corjas e burocracias militares.

Emma Goldman
Trad.: Plínio C.